quarta-feira, 27 de junho de 2007

desculpem lá o narcisismo

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?

Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,

a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia

e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;

quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.

José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....

Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!

José, para onde?


(Carlos Drummond de Andrade)

aproveitar para uma sugestão de leitura de verão - A Princesa que Bocejava a Toda a Hora - Carmen Gil

2 comentários:

ruca disse...

E agora José?
Os AMIGOS não substituem a mulher, o discurso e o carinho, mas quando a festa está no intervalo e a luz se apaga para dar lugar às velas, ELES estão lá. A sorrir, sempre a sorrir. Aquecem a noite quando o dia não vem.
No mundo que podemos escolher nada acaba, nada foge, apenas tudo se transforma...
Podes gritar, gemer, dormir (menos morrer porque nós não queremos) nós os AMIGOS vamos estar sempre lá...

ze disse...

é pá é pá
é só um poema do drummond que achei piada!
relaxa que o mundo ainda é redondo e azul...
não obstante: nunca digas nada, nunca digas nunca.